Há décadas uma lenda urbana circula no mundo da educação: o cidadão queria encomendar um remédio na farmácia, mas por engano, ligou para uma faculdade particular. “Desculpe, foi engano”, ele disse. “Engano não, o senhor já está matriculado”, responderam.
Se as instituições particulares possuem esta fama de “vender diplomas”, o que acontece então quando a educação a distância (EaD) entra em cena? Todas as facilidades do comércio eletrônico no ensino superior? Ou uma armadilha para o potencial estudante, que irá adquirir um “produto” de péssima qualidade?
Dito de outra forma, qual é a imagem da EaD privada entre o público? Responder a esta questão é um dos objetivos de um projeto de pesquisa que teve como meta identificar a percepção da educação a distância na sociedade como um todo.
Para isso, utilizamos um método chamado análise de conteúdos, aplicado numa seleção de textos publicados em revistas generalistas e especializadas nos últimos 10 anos. A idéia é basicamente a seguinte: os meios de comunicação ao mesmo tempo que refletem o que está sendo discutido na sociedade, também dizem ao público o que discutir e como discutir. Partindo desta teoria do agendamento (também conhecida pelo nome origina,l agenda-setting), se analisarmos o que dizem os jornais e revistas, isto é, o conteúdos, podemos conhecer indiretamente a imagem que está se formando e moldando a discussão.
E quais foram os resultados desta análise?
Num primeiro momento, a revista Ensino Superior, órgão de classe das mantenedores das instituições particulares de ensino superior. apresentou mais ou menos o que se esperava dela. Ou seja, um foco no aspecto econômico da educação a distância. Internacionalização e ampliação do mercado, junto à possibilidade de redução de custos e, com isso, o aumento da lucratividade. E olha que foram 105 textos, publicados ao longo da década 2001-1010.
Mas como este tipo de ação depende entre outras coisas da regulamentação da EaD, os textos publicados na revista criticam fortemente o Ministério da Educação e suas ações de controle sobre o sistema, incluindo a avaliação da qualidade. Na ótica claramente neoliberal das instituições privadas, as ações do governo impedem a livres iniciativa e o desenvolvimento desta modalidade. As leis de mercado, que premiam os eficientes também eliminam quem não possui qualidade, seriam suficientes, segundo esta visão.
Assim, a educação a distância aparece nos artigos publicados pela revista como uma oportunidade para que as instituições privadas se insiram (e sobrevivam) num mercado cada vez mais competitivo e internacionalizado. O que eles propõe, basicamente, é que a EaD seja uma forma de reposicionamento estratégico, num cenário cada vez mais desafiador e complexo.
Já o aspecto pedagógico da EaD é bem menos frequente. A exceção é a discussão sobre os polos presenciais, entendidos pelas privadas como um obstáculo a mais para a realização da EaD. Laboratórios, bibliotecas, salas de informática, espaços para orientação e tutoria, é o que as reportagens expressam, são muito mais gastos econômicos que suportes essenciais, necessários para que o estudante a distância possa efetivar sua aprendizagem.
Um segundo momento foi dedicado à análise de reportagens publicadas em revistas semanais de grande circulação como Veja, Isto É, Superinteressante e Galileu. Aqui, ao contrário do que esperávamos em um primeiro momento, a tônica geral é de neutralidade: a educação a distância aparece como uma solução viável para solucionar os problemas da educação superior, mas sem um maior aprofundamento nos debates que ela tem suscitado.
Alguns elementos que legitimam a modalidade são sua flexibilidade, permitindo quebrar os limites da distância física e do tempo, associada a uma maior eficiência/efetividade/controle do processo educativo. Neste ponto, esta modalidade estaria mais “sintonizado” com uma “geração digital” e com o perfil de um graduado altamente desejado pelo mercado, responsável, autônomo, dedicado e comprometido com seus estudos e com seu crescimento pessoal.
Outro aspecto chamativo que identificamos nesta etapa da pesquisa foi a utilização de metáforas, que evidenciam a desconfiança do público geral em relação à EaD, com preocupações a respeito da mercantilização e da precarização do ensino. Veja alguns exemplos das expressões utilizadas:
- “mina de ouro”
- “caça-níquel”
- “arapuca”
- “conto do vigário”
- “supletivo de smoking”
- “embromação”
- “curso por correspondência”
Ainda que elas não componham a norma geral, estas comparações mostram como ainda existe uma imagem negativa sobre a educação a distância. Voltando à revista Ensino Superior, na visão sempre pragmática dos empresários, este preconceito é uma barreira a ser superada, para que eles possam ampliar cada vez mais sua clientela/alunado.
Neste ponto, também encontramos outro ponto de interesse. Para justificar a qualidade da educação a distância, os textos citam o projeto público federal de interiorização e democratização do ensino superior, a Universidade Aberta do Brasil.
De forma simplificada, e esta é nossa interpretação, o que os empreendedores do setor privado estão dizendo com isto é: “se não fosse bom, o governo e as universidades públicas não estariam fazendo”. Em outras palavras, buscam sua legitimação com uma mão e criticam com a outra.
Confira a apresentação:
Referência
SABBATINI, M. Arapuca, mina de ouro ou futuro inevitável? Análise de conteúdo do discurso sobre a educação a distância (EaD) na mídia generalista e setorial do ensino privado. In: XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2012, Fortaleza. Anais do … Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2012. Acesse o artigo original, publicado no Portal de Livre Acesso à Produção em Ciências da Comunicação ”“ Portcom.