Certeza que todos nós já ouvimos a frase. Seja para ir à mesa, almoçar ou jantar, ou para realizar alguma trabalho doméstico, ou para qualquer outra situação, crianças e jovens nunca parecem atender de primeira. E então escutamos esse alerta tão conhecido.
Certo, e o que isso tem a ver com a escrita acadêmica?
Basicamente estive pensando nisso ao encontrar com bastante frequência nos últimos dias, revisando os capítulos de um livro elaborado junto com os alunos da pós-graduação, algo que considero ser um erro: fazer a chamada de uma referência bibliográfica duas vezes.
Mas antes de justificar o por quê de ser um erro e como evitá-lo, talvez seja mais interessante mostrar do que se trata. E para isto, vamos tomar um exemplo (modificado) de um texto meu (merchan: ebook no qual abordo os Fundamentos da Educação na Educação a Distância).
Exemplificando
Esse tipo de “absurdo” ou “assombro” para Romão (2008), não resultaria numa inclusão efetiva, indviabilizando mesmo o acesso à educação, relegando ao próprio indivíduo a responsabilidade por sua formação mais elementar. Já Barreto (2008) afirma:
Sem negar o acesso aos diferentes produtos do trabalho humano, as TIC obviamente incluídas, como condição necessária a qualquer proposta democrática, é preciso reconhecer que o acesso em si não é suficiente. A apropriação, como horizonte, requer o reconhecimento de fronteira mais complexa, colocando de um lado os que podem até mesmo modificar as aplicações da tecnologia e, de outro, os consumidores de pacotes, limitados a operações tão simples quanto previsíveis (BARRETO, 2008, p. 931).
Percebem qual o problema? A chamada da referência bibliográfica, no caso no formato autor-data está sendo repetida. Primeiro com o autor evidenciado na frase e, logo, ao final da citação direta longa (aquelas com mais de quatro linhas).
Por que essa prática é errada na escrita acadêmica?
Tenho alguns argumentos:
- Logo de início, é uma redundância, uma repetição desnecessária. E as regras da boa escrita, acadêmica ou não, abominam a repetição, motivo pelo qual todo escritor sério trabalha com um dicionário de sinônimos aberto a seu lado (nota: a repetição pode ter uso estético e retórico, num aso de quebra intencional de regras).
- E realmente, da primeira chamada, com o autor evidenciado no texto, esperamos uma paráfrase ou uma citação direta curta. Dessa forma teríamos a estrutura autor >> pensamento, e tudo bem. Mas logo em seguida vem uma citação direta longa, que por norma, precisa conter a chamada da referência. Repete-se e com isso temos alguns problemas.
- O primeiro deles seria de eficiência. Imagine que seja preciso corrigir esta referência por algum motivo, como descobrir que o ano de publicação estava errado ou que o nome do autor foi grafado incorretamente (são coisas que acontecem e acontecem bastante). Para realizar a alteração será necessário mudar duas vezes, trabalho desnecessário.
- E logo todas estas chamadas de referência bibliográfica podem ser consideradas um “não-texto”, por assim dizer. Isto é, a referência à obra é um elemento necessário, mas também acessório. É por este motivo que algumas normas utilizam a chamada em nota de rodapé ou ao final do texto, para não atrapalhar a fluidez da leitura. Isto também traz suas desvantagens, que não vou discutir neste momento, mas ao utilizar o sistema autor-data podemos evitar carregar desnecessariamente o texto com tantos sobrenomes e datas.
- Finalmente, outra consequência é que adicionamos caracteres que não precisamos e que podem fazer alguma diferença, mesmo que pequena na extensão total de um texto. Nesse ponto, defendo que sempre devemos ocupar o espaço máximo que nos é permitido para expor nossas próprias ideias.
Como evitar a “dupla chamada”
Agora, se minha argumentação em relação aos inconvenientes desta chamada dupla da referência bibliográfica foram convincentes, como evitá-la? A resposta é bastante simples, basta não fazer! E para isto, só é preciso utilizar um elemento de ligação que não seja o uso do “de acordo”, “para”, “conforme”, etc., seguido do nome do autor e da data de publicação entre parênteses. Em algumas ocasiões, um simples “Assim” seria suficiente, conforme a correção do exemplo:
Esse tipo de “absurdo” ou “assombro” para Romão (2008), não resultaria numa inclusão efetiva, inviabilizando mesmo o acesso à educação, relegando ao próprio indivíduo a responsabilidade por sua formação mais elementar. Assim:
Sem negar o acesso aos diferentes produtos do trabalho humano, as TIC obviamente incluídas, como condição necessária a qualquer proposta democrática, é preciso reconhecer que o acesso em si não é suficiente. A apropriação, como horizonte, requer o reconhecimento de fronteira mais complexa, colocando de um lado os que podem até mesmo modificar as aplicações da tecnologia e, de outro, os consumidores de pacotes, limitados a operações tão simples quanto previsíveis (BARRETO, 2008, p. 931).
Porém, mais correto ainda do ponto de vista de coesão textual seria realmente “emendar” as ideias. Para isso, uma saída é parafrasear o início daquela que vai ser a citação direta longa. Pode ser a primeira frase, ou até um trecho mais longo. Vejamos:
Esse tipo de “absurdo” ou “assombro” para Romão (2008), não resultaria numa inclusão efetiva, inviabilizando mesmo o acesso à educação, relegando ao próprio indivíduo a responsabilidade por sua formação mais elementar. Mesmo considerando a importância das TIC para a vivência social e democrática, a questão do “acesso” não é suficiente:
A apropriação, como horizonte, requer o reconhecimento de fronteira mais complexa, colocando de um lado os que podem até mesmo modificar as aplicações da tecnologia e, de outro, os consumidores de pacotes, limitados a operações tão simples quanto previsíveis (BARRETO, 2008, p. 931).
Concluindo, não somente é desnecessário, mas é equivocado chamar o autor e sua obra duas vezes. E nisso nossas mães (mãe-avó, mãe-pai, mãe-tia, todos tipos de mãe) tinham razão.