Olá Marcelo,
Eu estava lendo uma notícia no Jornal On-Line Extra de Caruaru informando que a Devry, a mesma que comprou a FBV, também comprou a Favip. A Laureate comprou a FG há alguns anos e agora o CEDEPE. Agora também chega a notícia de que a Universidade Tiradentes (Unit) comprou a Facipe, além da FIR ser totalmente da Estácio.
Cada vez mais grupos financeiros compram as instituições locais. Dizem que a Anhembi-Morumbi também quer entrar forte por aqui e outro grupo estadunidense, que se chama Apolo. Se contar com a expansão do próprio Grupo Ser Educacional.
Vamos ver se melhora para o professor”¦para o aluno e para a educação no Brasil.
Esta foi a mensagem que recebi de um bom amigo e colega de profissão docente. Um mestre, professor comprometido com seu trabalho e principalmente com os alunos a que atende também como coordenador de curso.
Ao ler sua inquietação, dois pensamentos vieram, automaticamente. O primeiro, “ele tem toda razão, já está acontecendo e não é de hoje”.
E o segundo, “escapei!”. Como um beneficiado de uma hipotética lista de Schindler, já estava do “outro lado”, no refúgio seguro da universidade de pesquisa, pública, com a garantia da estabilidade na carreira e da chamada liberdade de cátedra para desenvolver meu trabalho.
Tal alívio tem explicação: não sei se ele é um otimista inveterado ou se foi irônico, quanto à “melhora para o professor”¦para o aluno e para a educação no Brasil”. Como diriam os jovens nas redes sociais: “só que não” (#SQN)”¦A situação está longe de ser positiva, percebo.
Esta reflexão tem dois objetivos, relacionados respectivamente aos pensamentos que me vieram à mente com a leitura da mensagem.
O primeiro objetivo é corroborar a impressão de meu colega, através da literatura acadêmica no campo do ensino superior, especificamente no que diz respeito à concentração de capital no ensino superior privado.
Ao mesmo tempo, gostaria de analisar as consequências deste processo iniciado anos atrás no Sudeste do país e que agora atinge Pernambuco e Recife, em termos da precarização do trabalho docente e da concepção de educação como formação humana.
E a segunda meta, questionar: será que escapei mesmo? Ou este movimento não afetará, inadiavelmente, também à universidade pública?
Considerações iniciais
Para cumprir a primeira proposição, isto é, caracterizar o movimento percebido pelo coordenador inquieto, vou me guiar pelo texto da professora Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos, titulado “Política educacional para a ‘universidade microondas’: gestão universitária, trabalho docente e qualidade da formação humana sob o efeito do “mercado educador”, publicado em 2010.
Antecipando possíveis questionamentos, este post não é um trabalho acadêmico no qual eu me veja obrigado a contrastar as linhas teóricas e os pensamentos de diversos autores para compor um quadro mais próximo possível da realidade. Meu propósito é provocar a reflexão e a discussão e, neste sentido, o artigo escolhido é bastante adequado.
Em primeiro lugar por que é o resultado de um projeto de pesquisa, envolvendo uma extensa revisão bibliográfica, análise documental e observações de campo. O que a pesquisadora nos apresenta são informações e dados que se amparam no exame da realidade.
E logo, este artigo adota uma postura bastante crítica, com um discurso contundente, sem meios termos. Ainda que possa ser considerado um texto politizado e enviesado, é justamente este caráter de denúncia que poderá incitar o leitor a realizar seus próprios questionamentos.
Mas vamos lá!
O contexto da privatização do ensino superior
Um primeiro ponto a se considerar é o fato da tendência apontada por meu colega não ser um fenômeno local isolado, mas de algo que acontece de forma mais ampla. Como menciona a professora Aparecida dos Santos, esta discussão se insere diante de:
elementos infra e superestruturais: neoliberalismo, reestruturação do capital, mudanças de paradigmas no mundo do trabalho, “crise” de paradigmas do conhecimento e as ações orgânicas empreendidas pelo capital e pelo trabalho neste setor. É neste cenário que a concepção mercantil da educação, abertura de capital, internacionalização e o consequente intensificação e precarização do trabalho docente (p. 1).
E como figura retórica, para caracterizar a forma que o ensino superior privado assume neste contexto, a autora lança mão de uma metáfora, a tal “universidade microondas” do título:
Assim como o uso do forno de microondas consagrou-se pela função de descongelamento e aquecimento para consumo do alimento pré-produzido, a universidade de capitalismo periférico teria o papel de descongelar, aquecer e fornecer para consumo, ou seja, transformar em mercadoria (”¦) o conhecimento científico produzido nos centros intelectuais do capitalismo central (p. 4).
Uma vez estabelecido o contexto, podemos analisar em maior detalhe algumas características desta privatização.
Concentração e internacionalização do capital
Após um explosivo crescimento da oferta de vagas pela iniciativa privada durante a década de 1990, com o então governo Fernando Henrique Cardoso, o mercado do ensino superior (pois efetivamente, é um mercado) chega nos anos 2010 a uma nova configuração:
As IES pequenas e lucrativas serão compradas pelas maiores; as deficitárias, fechadas; e os grandes conglomerados formarão um forte oligopólio (p. 4).
Se este processo de “consolidação”, como é chamado, já ocorria em São Paulo e outros estados do eixo Sul-Sudeste até mesmo antes da nova década, em Recife observamos a seguinte cronologia de compras e aquisições, já corretamente enunciada na mensagem que recebi:
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2007 ”“ Faculdade Metropolitana, em Jaboatão dos Guararapes, adquirida pelo Grupo Laureate, EUA (fonte).
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2009 ”“ Faculdade Integrada do Recife (FIR) ”“ controle assumido pelo Grupo Estácio de Sá do Rio de Janeiro (fonte).
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2012 ”“ Faculdade Boa Viagem (FBV) e Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) ”“ adquiridas pelo grupo DeVry Boston, EUA (fonte) e (fonte).
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2012 ”“ Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE) ”“ adquirida pelo Grupo Tiradentes, de Sergipe(fonte).
Mas nem tudo vem de fora: a Maurício de Nassau, um empreendimento iniciado em Recife se expande para os Estados vizinhos, chegando inclusive à região Norte. Logo, diferencia seus “produtos” para a classe C e D (literalmente expresso em documento enviado ao Ministério de Educação) com a Faculdade Joaquim Nabuco. Seu rápido crescimento incentiva uma mudança de marca, para Ser Educacional e seu carro-chefe obtém em seguida o status de centro universitário. Mais recentemente, suas ações são lançadas na Bolsa de Valores para que este se torne o maior grupo educacional do Nordeste, com 23 unidades em 11 Estados e 17 cidades (fonte).
Mas por que o interesse de grandes grupos por nossa região, neste momento? Na perspectiva de análise político-econômica de Santos, este movimento está relacionado com um processo de deslocamento das atividades econômicas:
A desterritorialização de regiões onde a força de trabalho apresenta acúmulo histórico de lutas, conquistas e níveis de organização inconvenientes ao capital tem sido a tendência nos setores dos agronegócios, da indústria e em muitas atividades de serviços, como o bancário, teleatendimento e outros. Realiza-se subsequentemente a reterritorialização ou relocalização da atividade em regiões onde a força de trabalho apresenta maior vulnerabilidade.
No caso do Brasil, esta desterritorialização e reterritorialização pode ser observada nos últimos anos com o deslocamento de atividades das montadoras de automóveis, indústria de bebidas alcoólicas e o serviço privatizado das telecomunicações. A Região Nordeste, especialmente o Nordeste rural, onde grande parte da classe trabalhadora ainda se vê refém do trabalho no campo sob os desmandos do coronelismo e das intempéries da natureza, vive um processo de territorialização com a chegada de empresas do ramo industrial e de serviços (p. 3).
O crescimento de renda, associado com o aumento do número de jovens que finalizam o ensino médio cria desta forma um enorme mercado consumidor em potencial da educação superior privada, atraindo a atenção do capital internacional para este setor.
Assim, o que um coordenador ou um professor vivenciam individualmente é o resultado de um vasto processo de transformação geográfica e econômica. Deixando de lado por um momento a difícil questão de se este processo é irreversível ou não, qual é a repercussão da concentração de capital para o docente do ensino superior?
Dito de forma simples e direta: redução do mercado de trabalho, com um menor número de alternativas de atuação profissional. Isto ocorre mesmo quando as instituições adquiridas pelos grupos mantêm a marca original: por trás do nome, está a mesma política de recursos humanos. As demissões e cortes que já são característicos do setor privado assumem um tom ainda mais dramático quando somente existe cinco ou seis instituições para as quais enviar seu currículo.
Mas para os que ficam, quais têm sido as consequências da privatização concentrada no dia a dia dos professores? Para responder a esta pergunta, será preciso analisar com mais profundidade um mercado de ensino superior marcado pela competitividade e de lucratividade.
Redução de custos, economia de escala e precarização do trabalho docente
De forma geral, a proliferação das faculdades particulares adotou aquilo que em estratégia empresarial se chama “liderança por custo”. Em outras palavras, oferecem a seu público o menor preço possível, uma vez que um produto diferenciado (o diploma), não é valorizado ou está fora de seu alcance. Sem necessidade de uma observação estruturada é possível perceber através dos outdoors que inundam as cidades brasileiras a cada início de semestre, como o “fator preço” é decisivo para a mercantilização do ensino superior.
Uma forma de reduzir os custos, contudo, é diminuindo as despesas operacionais, ou seja, os gastos na execução do serviço ou elaboração do produto. No campo dos serviços da educação superior, esta estratégia se traduz na busca pela eficiência de “linhas de montagem”:
Avaliação docente eficaz (”¦) material e conteúdo de apoio padronizados (”¦) aula estruturada previamente com itens específicos do roteiro de preparação da aula (…) apresentação prévia do plano de aula; planejamento aula-a-aula (”¦) centro de estruturação metodológica ”“ learning center ”“ que define toda a estrutura das aulas(”¦) prova colegiada: a prova não deve ser elaborada pelo professor, nem corrigida por ele (p. 6).
Em outras palavras, ao padronizar processos e aplicá-los uniformemente a todos contextos da instituição, obtém-se um ganho de escala, com redução de custos. Porém, para que a padronização dê certo, assim como em um processo industrial, o controle é um elemento fundamental, como nos relata a professora Aparecida dos Santos, que registrou a fala de um consultor educacional:
É preciso medir se o professor realmente cumpriu o planejamento, se de fato ensinou e se efetivamente o aluno aprendeu. (”¦) No início, os professores serão contra, mas é só dizer: Tem que fazer! Se não fizer, não trabalha mais aqui! (p. 6).
Outra faceta desta padronização é organização da instituição segundo parâmetros estabelecidos pelo mercado, no sentido de “preparar as IES para adquirem ou serem adquiridas, para tornarem-se boas compradoras ou boas mercadorias vendáveis” (p. 6), na lógica da já comentada concentração de capitais. Com a ajuda de consultorias especializadas e mediante a “reengenharia”, a faculdade-empresa é preparada para o mercado financeiro, já que os grandes grupos comercializam suas ações. A intensificação do trabalho docente, com “extração de mais-valia intensiva e extensiva” (p. 13), chama logo a atenção na busca implacável pela redução de custos.
Como exemplos, provindos de minha própria experiência, reuniões acadêmicas e de planejamento, a orientação de trabalhos interdisciplinares, o atendimento a alunos para o nivelamento das deficiências do ensino médio, a participação em projetos de “extensão”, reduzidos a mero assistencialismo”¦São horas e horas de atividade docente que não são contabilizadas, mas precisam ser realizadas; do contrário, o professor, ou melhor, colaborador (na nova terminologia gerencial) não está “vestindo a camisa”. Em outras palavras, “tem que fazer!”.
Outra estratégia da gestão empresarial, a competição, é instaurada entre os próprios colegas. Como prática recente, da qual tomei conhecimento através daqueles que ficaram do “outro lado”, nos ambientes virtuais de gestão acadêmica os professores estão sendo “estimulados” a publicar seus recursos didáticos e materiais de aula, para serem avaliados por seus colegas e logo avaliá-los. É a avaliação 360 graus do mundo empresarial que entra em cena no meio acadêmico. Somada à avaliação realizada pelos alunos (sobrevalorizada e assumindo agora um caráter determinista e punitivo), os “melhores” serão premiados, sempre simbolicamente. Já os perdedores”¦
Esta situação de intensificação e deterioração do trabalho docente é agravada pela implementação da ideologia neoliberal e, neste sentido, Aparecida dos Santos recorda algumas diretrizes do Banco Mundial: substituição das reivindicações coletivas por uma individualização da avaliação e dos planos de carreira, baseados agora no mérito individual, pautado por metas.
Mas falar de neoliberalismo, também é falar de globalização. E neste ponto, um de seus principais críticos, o linguista e ativista político Noam Chomsky (2013) nos traz uma visão da precarização do trabalho docente nos Estados Unidos. Lá, esta desvalorização assume formas diferentes, com a contratação de professores temporários e de estudantes de pós-graduação, mas aina numa ótica de “insegurança dos trabalhadores”, alcançada
não garantindo o emprego, mantendo as pessoas penduradas em um galho que pode ser serrado a qualquer momento, de modo que elas saibam que é melhor calar a boca, receber pequenos salários, fazer o seu trabalho e se forem agraciados com a autorização para servir em condições miseráveis por mais um ano, devem se contentar com isso e não pedir nada a mais. Essa é a receita das corporações para manter uma sociedade eficiente e estável. Como as universidades se moveram na direção desse modelo de negócios, a precariedade é exatamente o que está sendo imposto. E nós vamos ver mais e mais do mesmo.
É fundamental, para esta discussão, lembrar que em Recife não existe um sindicato de professores do ensino superior privado! Sem uma convenção coletiva, ausência de planos de carreira, redução de carga horária, irregularidade em demissões, falta de regulamentação em relação a férias e recessos, além da perda de outros direitos previstos, levam a uma situação de instabilidade e vulnerabilidade profissional próxima a dos operários do início da Revolução Industrial.
Chegando a este ponto, as tecnologias de informação e comunicação, muitas vezes apontadas como promessas para uma educação mais democrática e participativa, atenderiam a outros objetivos.
Pretende-se, com isto, substituir o trabalho vivo docente por trabalho morto, cujo valor é repassado aos equipamentos e materiais pedagógicos veiculados por “novas tecnologias”, cujo uso precisa ser infinitamente maximizado. É esta substituição de trabalho vivo por trabalho morto que exige a descaracterização do trabalho docente, relação presencial, trabalho em ato, para mera transmissão mediada por suportes das novas tecnologias de informação e comunicação.
A bem da verdade, cabe notar que o foco na transmissão de conteúdo foi sempre a base da pedagogia tradicional. A novidade reside possivelmente na intensidade com a qual estes controles, em sua maioria de origem tecnológica, são impostos aos professores.
Mas além do trabalho docente, o enfoque gerencialista/financeiro faz com que as atividades-fim das instituições de ensino superior saiam de foco. Assim, a pesquisa (criação do conhecimento)”“ em suas múltiplas formas, desde projetos de pesquisa realizados por professores-pesquisadores, passando pela iniciação científica e pela publicação acadêmica ”“ é percebida como um acessório.
Mas para atender à s exigências da legislação e do sistema de avaliação de qualidade do ensino superior, algumas vezes estas atividades são realizadas de forma superficial, descaracterizando o projeto do ensino superior, reduzido agora à s aulas (reprodução do conhecimento). Assim,
Mutilar o trabalho pedagógico, retirando-lhe a dimensão criadora, epistemológica, política, transformadora e sócio-afetiva em nome das aulas padronizadas do mercado, da economia de escala realizada em aulas por atacado, representa o genocídio existencial de professores e alunos, o genocídio político das gerações que estão e estarão em formação, impedidas da construção do pensamento crítico”¦
E acrescenta ainda:
E se o docente insistir em que a aula padronizada não lhe permitirá exercer a atividade criadora, como ser cognoscente, autônomo? E se insistir em formar novos profissionais e novos seres políticos igualmente cognoscentes e autônomos frente à s ideologias neoconservadoras? E se persistir em seu papel de professor, de trabalhador responsável e competente que pensa e projeta sua ação a partir da relação com as particularidades de cada turma, sem perder de vista o conhecimento universal? Se ousar argumentar que os tempos não se movem de maneira retilínea e uniforme no processo pedagógico?
Em seu conjunto, a perda de identidade profissional, a intensificação do trabalho e a instabilidade na carreira teriam consequências nefastas, como aponta a pesquisadora:
Além de produzir danos aos trabalhadores envolvidos no setor, como agravos à saúde física, psíquica e emocional, instabilidade, ruptura dos laços sócio-afetivos, perda das condições de subsistência e/ou de tempo livre, perda do sentido do trabalho, compromete a qualidade da formação humana e do papel da Educação Superior na produção e difusão da ciência em suas mais elevadas manifestações. Se tomamos o trabalho em sua dimensão ontológica, compreendemos a destruição do sentido do trabalho docente, em última instância, como a destruição mesma do sentido da existência do trabalhador da educação.
Mas surpreendentemente, esta vulnerabilidade é financiada também pelo Estado.
Entre o público e o privado
Como vimos, para operar no mercado cada vez mais competitivo, é necessário que universidades e faculdades privadas ajam cada vez mais como empresas. Por um lado, isto ocorre com a diminuição de custos da “mercadoria-ensino”, através da padronização e da produção em escala. Por outro, estas instituições seguem o mesmo caminho trilhado há séculos pela iniciativa privada, o da assistência governamental, com a
busca de financiamento público como bolsas, empréstimos a fundo perdido para capital de giro em condições especiais por tratar-se de “atividade social”. Interessante observar que, no discurso dos empresários do setor, a educação possui dupla face: de mercado quando seus porta-vozes visam à desregulamentação e social quando visam ao financiamento por fundos públicos (p. 7).
Nas palavras de uma colega, professora em quatro instituições particulares: “agradeço ao FIES e ao PROUNI que dão emprego para mim e luxo e riqueza para os donos das faculdades”. Não está equivocada: cerca de 31% das matrículas no ensino superior correspondem a alunos destes programas (fonte), a um custo que se aproxima a 1 bilhão de reais por ano (fonte) em termos de renúncia fiscal.
E um fato que não deve ser esquecido: no auge da greve dos professores das universidades federais em 2012, o governo federal abriu mão entre 15 e 17 bilhões de reais de dívidas de instituições privadas (fonte). Ao mesmo tempo, o impacto do aumento de salários dos docentes federais seria de 4 bilhões de reais (fonte). Ou seja, uma troca está sendo realizada.
Este cenário, entretanto, não é exclusivo do Brasil, numa discussão que envolve ideologia neoliberal e a concepção de educação como mercado. Assim, a professora da Universidade de Cornell, Suzanne Mettler (2014), recentemente chamou a atenção para o fato de nos Estados Unidos a educação superior estar em vez de nivelando, dividindo ainda mais as classes socioeconômicas. O sonho de ascensão social pode terminar em “ruína financeira”: apesar de subsidiados publicamente, os empréstimos estudantis têm um custo bem mais elevado nas instituições privadas (incluindo a Devry e a Apolo, mencionadas na mensagem). Mesmo com a crise econômica, o setor privado da educação universitária privada norte-americana aumentou seus lucros, à s custas dos estudantes e dos contribuintes.
Mas além do financiamento público indireto, o cenário de fortalecimento do setor privado também aponta para uma clivagem, com a criação de um sistema dualista do ensino superior:
As entidades patronais posicionam-se frontalmente contra o SINAES, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, alegando que é necessário e urgente criar uma agência de acreditação própria para o setor privado, controlada pelo próprio setor, completamente independente do poder público e com critérios de qualidade definidos pelo mercado. Para a consecução destas metas (autorregulamentação com financiamento público), vêm desenvolvendo intensa e sistemática atuação frente ao governo (executivo e legislativo). Mantém-se regularmente na agenda das comissões de Educação da Câmara Federal e do Senado, além da própria Presidência da República. A ABMES realiza mensalmente seminários para formular suas políticas para EAD, internacionalização da Educação Superior, flexibilidade curricular, padronização, diminuição do custo-docente etc.
Por todos estes motivos, a universidade pública não pode estar alheia a este debate. A opção pelo financiamento público indireto, a abertura do setor para o investimento de capital internacional, a desregulação buscada por estas instituições, todas elas são decisões políticas. Em meu entendimento, não são inevitáveis, nem a única opção. Pelo contrário, outros tipos de organização como as faculdades comunitárias ou mesmo as cooperativas trazem a “governança compartilhada”, nas palavras de Chomsky e o controle de volta ao trabalhador.
Mas a partir do momento em que estas escolhas são tomadas, elas deixam de lado e enfraquecem estas outras opções, o modelo de universidade pública baseada na pesquisa, ensino e extensão incluído. Dito de outra maneira, qual será o lugar reservado à universidade pública e à educação entendida como formação humana, diante do predomínio cada vez maior de uma proposta voltada para o mercado, em todos os sentidos?
Concluindo, caro amigo, você se perguntava se a concentração de capitais e os investimentos estrangeiros iriam trazer uma “melhora para o professor”¦para o aluno e para a educação no Brasil”. Com base na evidência que temos da precarização do trabalho docente e da descaracterização do ensino superior, muito temo que não.
Referências
CHOMSKY, Noam. Sobre a precarização do trabalho e da educação na universidade. Carta Maior, 2 mar. 2014. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEducacao%2FChomsky-Sobre-a-precarizacao-do-trabalho-e-da-educacao-na-universidade%2F13%2F30389>. Acesso em 5 mar. 2013.
DOS SANTOS, Aparecida de Fátima Tiradentes. Política educacional para a “universidade microondas”: gestão universitária, trabalho docente e qualidade da formação humana sob o efeito do “mercado educador”. , v. 3, n. 1, 2010. Revista Gestão Universitária na América Latina [online]. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/gual/article/view/1983-4535.2010v3n1p12/22038>. Acesso em 12 set. 2012.
METTLER, Suzanne. College, the great unleveler. The New York Times, The Opinion Pages, 1 mar. 2014. Disponível em: <http://opinionator.blogs.nytimes.com/2014/03/01/college-the-great-unleveler/?_php=true&_type=blogs&_php=true&_type=blogs&_php=true&_type=blogs&alghe=44FR7&_r=2>. Acesso em 5 mar. 2014.