
Lembra quando as pessoas escreviam cartas? Lembra quando as pessoas escreviam mensagens? Lembra quando as pessoas faziam uploadda consciência delas no Pensatube?
Há algo de curioso no cartum que nos confronta: a representação da evolução da comunicação humana não apenas como uma sucessão de tecnologias, mas como uma transformação radical da própria linguagem e, por extensão, do nosso modo de pensar.
O cartum é irônico. Primeiro, temos a menção às cartas – algo que na atualidade parece um artefato arqueológico. Depois, as mensagens digitais, que rapidamente se tornaram nossa principal forma de interação.
O terceiro quadro já nos leva para um futuro próximo e especulativo, onde nossas consciências seriam compartilhadas num hipotético “PensaTube”.
E finalmente, chegamos a um estado onde a comunicação se transformou em algo completamente abstrato, com símbolos que sequer conseguimos decifrar.
Linguagem e tecnologia: uma via de mão dupla
A tecnologia não é apenas um meio pelo qual nos comunicamos; ela altera fundamentalmente nossa linguagem. Basta pensar nas abreviações, nos emojis, nos memes – formas de expressão que surgiram a partir das limitações e possibilidades dos meios digitais. Um smartphone não é apenas um dispositivo que transmite nossa linguagem; ele a reconfigura.
Recuperando a filosofia da linguagem de Wittgenstein, “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo“. Cada nova tecnologia de comunicação amplia esses limites, criando novas possibilidades de expressão e, consequentemente, novas formas de pensamento.
O pensamento é moldado pela linguagem que usamos
A tese de Wittgenstein sobre como a linguagem estrutura nosso pensamento ganhou contornos na era digital. Quando mudamos nossos modos de expressão – de cartas penosamente (até de forma literal!) escritas para mensagens instantâneas formadas por abreviações – também estamos alterando estruturas cognitivas.
Não à toa, muitos adolescentes hoje pensam em formatos compatíveis com redes sociais: raciocínios curtos, visuais, “lacradoras”. Essa linguagem não apenas transmite pensamentos; ela os formata.
## Saudosismo como armadilha
O cartum também nos convida a refletir sobre uma tendência comum na análise das novas tecnologias. Em cada quadro, há uma nostalgia pelo método de comunicação anterior – uma ironia quando pensamos que provavelmente também sentiremos falta das deste texto, quando estivermos fazendo upload da consciência no “PensaTube”.
Tal nostalgia tecnológica não reconhece que cada nova forma de comunicação traz novas possibilidades. As cartas permitiam reflexão profunda, mas as mensagens instantâneas trouxeram proximidade. O upload de consciência (ainda que ficcional) poderia representar um compartilhamento de experiências em níveis hoje inimagináveis.
Para além do humano
O último quadro do cartum sugere algo ainda mais profundo: uma comunicação pós-humana, com uma evolução da linguagem digital que transcende nossa compreensão atual. É possível que, assim como a linguagem das mensagens de Whatsapp seria incompreensível para alguém do século XVIII, a comunicação do futuro nos será inalcançável.
A linguagem sempre refletiu a evolução da inteligência humana. Da oralidade à escrita, dos pergaminhos aos smartphones, cada transformação tecnológica trouxe consigo novas formas de expressão e pensamento. O ciclo continua?