Marcelo Sabbatini

A violência simbólica está viva e pululante!

“Professor tem que saber dar aula”. Com esse argumento, muitas pessoas questionam o por quê de se estudar teorias sociológicas, filosóficas, antropológicas e ainda mais teorias que foram elaboradas décadas ou anos atrás. Afinal, que relevância elas teriam no dia a dia de um educador? Não é tudo “blá blá blá”?

Minha resposta é simples, estas teorias estão vivas, no sentido de que elas explicam fatos e situações muito, mas muito presentes. Quando você menos espera, ela lhe dá um susto.

Se não, veja a imagem abaixo. Aparentemente inocente, este bilhete da escola para os pais circulou nas redes sociais, causando uma justa polêmica.

Se você não vê nenhum problema neste aviso é por que possivelmente você não teve acesso à  discussão da relação entre educação e sociedade. E particularmente, a um conceito elaborado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, chamado de violência simbólica.

De que se trata? Vamos à  teoria?

Resumidamente, Bourdieu  faz parte de uma tradição de pensadores que na década de 1970 passaram a ver na escola um mecanismo de reprodução das desigualdades sociais; são os chamados “crítico-reprodutivistas”.

Particularmente, no livro A Reprodução, escrito em 1970 conjuntamente com Jean-Claude Passseron, Bourdieu descreve alguns mecanismos através dos quais os indivíduos incorporam a estrura da sociedade, adequando-se a forma de pensar, agir e sentir do grupo, mesmo que de forma não consciente. É chamativo o subtítulo do livro, “elementos para uma teoria do sistema de ensino”.

Uma peça chave desta teoria é o conceito de violência simbólica, isto é, a legitmação da dominação através do estilo de vida, de acordo com os valores que são considerados aceitáveis pela mentalidade dominante. No campo da linguagem, por exemplo, a correção gramatical, o sotaque, a habilidade no uso das palavras e as construções empregadas estão relacionadas à  posição social de quem a utiliza. Mais que isso, ela é uma ferramenta de poder, na medida que estabelece graus de hierarquia. Fale “diferente” e seja discriminado.

Com isso, voltamos a nosso aviso. Vamos analisá-la. A escola, institucionalmente, declara que:

“Para que nossa apresentação [de Natal] fique ainda mais bonita”¦”

E logo estabelece o padrão de beleza em relação ao penteado das meninas: “cabelo liso e solto”. O texto é reforçado pela foto utilizada, de uma criança com traços europeus e que, segundo os comentários nas redes sociais, “nem parece brasileira”.

A associação é clara: bonita é aquela menina que tem o cabelo liso e solto. Se a menina tiver o cabelo crespo, como boa parte da população brasileira e principalmente a afrodescente, ela não é bonita. De certa forma, o que a escola está dizendo é: “aqui não é seu lugar”, “eu não lhe pertenço”. Segundo os pensadores crítico-reprodutivistas, o chamado fracasso escolar, isto é a repetência e a evasão, seria uma consequência, fechando o ciclo da reprodução das desigualdes sociais.

Não é um detalhe, não é uma besteirinha qualquer, não é “mi-mi-mi”. Estamos vendo a violência simbólice viva e pululante. Este tipo de ação, nem tão sutil, pouco a pouco é percebida como algo legítimo, principalmente por aqueles que são diferentes do padrão dominante estabelecido (cabelos lisos e soltos), mantendo assim a dominação. É uma violência que se torna natural, na expressão de Bordieu.

Tampouco trata-se de uma caso isolado. Neste outro bilhete que  virou notícia, a violência simbólica resulta em ação disciplinar direta, com a ameaça de punição à  não-adesão ao padrão. Com isto vemos que a escola, enquanto instituição reforça o preconceito e a desigualdade, assim como prevê a teoria.

Olá! Mamãe Débora, peço-lhe se possível aparar ou trançar o cabelinho dos meninos, eles são lindos, mais (sic) eu ficaria mais feliz com o cabelo deles mais baixo ou preso. Beijos, Fran.

Felizmente, e aí vem a principal razão do por quê se estudar as teorias sociológicas da educação, a tomada de consciência em relação à s situações expostas pelas teorias crítico-reprodutivistas expuseram estes abusos e abriram espaço para ações de superação do caráter conservador e excludente da educação.

E particularmente para a formação de futuros professores, pedagogo/as e licenciado/as, o conhecimento destes mecanismos de exclusão presentes na sociedade são essenciais para que ele se sensibilizem e possam agir em sua futura prática profisisonal.

Um exemplo, totalmente ligado a nosso caso, foi a campanha de valorização do cabelo crespo, realizada na instituição a qual eu pertenço, a Universidade Federal de Pernambuco. A questão também é tem sido abordada nacionalmente através do momvimento Encrespa Geral, um projeto de ação social que busca “tratar das temáticas do genocídio estético, incentivo ao uso do cabelo natural e temáticas relacionadas.

Como vimos, valores e atitudes estão profundamente entranhados em nossa forma de vida, portanto é necessária uma ação afirmativa, em alto e bom som, para que uma mudança de percepção e de comportamento seja iniciada.

Espero com estes exemplos ter chegado a uma conclusão do questionamento inicial: não é somente válido, é necessário que futuros professores, técnicos educacionais, gestores educacionais, conheçam teorias que na atualidade possuem relevância . Elas estão aqui, entre nós, vivas.

Você tem mais exemplos de violência simbólica na atualidade? Compartilhe, comentando o post.

Para saber mais

SOUZA, Liliane Pereira. de. A violência simbólica na escola: contribuições de sociólogos franceses ao fenômeno da violência escolar brasileira. Revista LABOR, n. 7, v.1, 2012; [online]. Disponível em: <http://www.revistalabor.ufc.br/Artigo/volume7/2_A_violencia_simbolica_na_escola_-_Liliane_Pereira.pdf>.

Movimento Encrespa Geral
Vídeo institucional

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