
Foto: Noah Buscher / Unsplash
Publicado originalmente em IAEdPraxis: Caminhos Inteligentes para a Educação, em 2 de julho de 2025
Damos continuidade à série sobre prompts, e como prometido, vamos abordar técnicas que impactam substancialmente a resposta das IAs.
Treinamento
Em pleno 2025, a ideia de treinamento de Inteligência Artificial já faz parte do vocabulário cotidiano. Um conceito antes restrito aos laboratórios de tecnologia, hoje qualquer pessoa que utiliza um chatbot compreende, ao menos intuitivamente, que esses sistemas foram “ensinados” a partir de enormes quantidades de dados.
Este treinamento constitui, de fato, o fundamento da chamada “aprendizagem de máquina”. Assim como uma criança aprende a reconhecer objetos sendo exposta repetidamente a exemplos (“isto é uma maçã”, “isto é uma laranja”), os algoritmos de IA desenvolvem suas capacidades através da análise de padrões em vastos conjuntos de informações. O processo envolve mostrar ao sistema milhões de exemplos até que ele consiga identificar regularidades e fazer predições sobre nvos dados.
Contudo, talvez não seja amplamente conhecido que é possível treinar ainda mais essas Inteligências Artificiais, refinando-as para necessidades específicas. Do ponto de vista mais técnico, essa personalização adicional recebe o nome de fine tuning, ou ajuste fino. Contudo, demanda o acesso (pago) aos modelos de IA, além de um suporte técnico de programação.
Felizmente, nós usuários comuns também podemos “treinar” a IA, ainda que de maneira mais simples, através de prompts que incluem exemplos específicos do tipo de resposta desejada. Em vez de apenas descrever o que queremos, fornecemos amostras concretas do resultado esperado, permitindo que a IA compreenda melhor nossas expectativas e replique o padrão apresentado.
Basicamente, estamos falando dos prompts do tipo one shot e few shot, apresentados na primeira parte desta série, a diferença estando no número de exemplos fornecidos. Para que o sistema adote um tom específico de escrita ou siga uma estrutura particular de resposta, exemplificar funciona melhor que explicar.
O inconveniente porém, é a necessidade de retreinamento constante. Cada vez que uma conversa atinge seu limite, isto é, que se apresente longa demais para que o sistema mantenha todo o histórico em sua memória, ela precisa ser reiniciada. Os padrões desejados precisam ser reintroduzidos, recomeçando o treinamento.
Como aplicar o treinamento num prompt?
De forma simples, escrevendo de forma explícita nas instruções: “considere os seguintes exemplos”, “aprenda meu padrão de exemplo”, “você deve emular” etc.
Para uma melhor organização, recomenda-se separar os dados de treinamento do resto do prompt, por exemplo utilizando marcadores como [início dos dados de exemplo] e [fim dos dados de exemplo].
Por fim, é preciso lembrar que a qualidade da resposta depende da qualidade da pergunta, incluindo os dados de treinamento que estão sendo fornecidos. Uma boa prática, neste sentido, é já ter separado um arquivo com uma amostra das produções que possam ser consideradas, literalmente, exemplares.
Emulando saberes docentes
Há várias situações nas quais os educadores podem aplicar o treinamento:
- Adaptação curricular, fornecendo planos de aula e materiais didáticos utilizados previamente ou de outras disciplinas, como base para planos mais específicos, com conteúdo relevante e alinhado.
- Estilo docente, através de suas próprias explicações, analogias, abordagens pedagógicas e estilo comunicacional, para ter um assistente que emule seu estio, os educadores podem criar um assistente que replique seu estilo único de ensino.
- Avaliação especializada, proporcionando critérios de avaliação, rubricas e exemplos de feedback, para obter um assistente de avaliação alinhado com as expectativas docentes.
- Suporte para necessidades educacionais especiais, através da explicitação de práticas recomendadas e exemplos de adaptação de material didático para diversos públicos, como dislexia, TDHA, entre outras.
Ao fornecer material para um modelo de IA, entretanto, é preciso estar atento para a sempre presente questão ética, envolvendo tanto a proteção da privacidade como da propriedade intelectual.
Cadeia de pensamento (Chain of Thought)
Quantas vezes a situação se repete: apesar de todo o esforço e cálculo, a resposta daquela questão da prova de Matemática vem marcada como errada. Mas o professor deu alguns pontos, pelo desenvolvimento da questão. Afinal, o que importa mais o resultado final ou o procedimento, incluindo as etapas e raciocínio utilizado.
Assim, em termos gerais, cadeia de pensamento, ou “chain of thought” em inglês, é uma técnica que visa tornar explícito o processo de raciocínio por trás de uma conclusão ou resposta.
No contexto de nossa interação com a IA, isso significa programar os sistemas para que não apenas forneçam uma resposta, mas também detalhem os passos intermediários que os levaram a essa conclusão. Dito de outra forma, é como se a IA estivesse “pensando em voz alta”, permitindo que acompanhemos sua linha de raciocínio.
A técnica foi desenvolvida em 2022 num artigo científico, evidenciando como uma “série de passos de raciocínio intermediários significativamente melhora a habilidade de grandes modelos de linguagem para realizar raciocínio complexo”.
Como aplicar a cadeia de pensamento num prompt?
Simplesmente, pedindo. Ao final do prompt, inclua a instrução “Utilize cadeia de pensamento”.
Em determinado momento, esta técnica levava a melhores resultados, dependendo da tarefa. Porém, mais recentemente, o surgimento dos “modelos de raciocínio” .integrou a explicitação do raciocínio como característica padrão, tornando a técnica de CoT como prompt menos necessária. Nesta lista de inovações, podemos citar o pioneiro “o1” da OpenAI, seguido pelo o1-mini e posteriormente pelos modelos da série Gemini 2.0 Flash Preview do Google.
Também cabe considerar que os modelos de raciocínio vão mais além de uma cadeia de pensamento tradicional, ao serem treinados para aprenderem a raciocinar. Através de aprendizado de reforço eles são ensinados a reconhecer e corrigir seus erros, a segmentar problemas complexos em suas partes e a adotarem novas abordagens, quando sua tentativa de resolver o problema não está funcionando.
Exemplo de modelo de IA racionando
De forma sucinta, ao solicitar um plano de aula, o primeiro “pensamento” da IA foi:
Compreendendo a tarefa. Estou começando a compreender a essência deste pedido de plano de aula. O objetivo é claro: criar uma atividade educacional envolvente centrada no ciclo da água. Eu preciso delinear objetivos de aprendizagem, elaborar passos sequenciais, especificar materiais necessários, e considerar métodos de avaliação.
E a partir daí, desenvolveu cada um dos passos, também “pensando alto” sobre cada uma delas.
O surgimento destes modelos especializados, por outro lado, exige uma readaptação na escrita de prompts. De acordo com a própria documentação da OpenAI, recomenda-se mantê-los simples e diretos, sem demasiada informação de contexto. Mais importante, não é necessário pedir que o modelo explicite seu raciocínio, ele fará isso por conta própria.
Finalmente, a capacidade dos modelos de raciocínio para a resolução de problemas complexos tem sido colocada em xeque, segundo estudos recentes. Além disso, o custo computacional elevado e o tempo de resposta maior limitam sua aplicabilidade em cenários que exigem velocidade.
Visibilizando raciocínios
Especificamente para a prática educacional, a técnica cadeia de pensamento pode ser útil de diversas formas, seja explorando a técnica diretamente via prompts ou utilizando as capacidades intrínsecas de raciocínio dos modelos mais recentes.
Um primeiro uso é o de exemplificação, isto é, mostrando aos alunos exemplos detalhados de como problemas complexos podem ser resolvidos.
Já no campo de metacognição, outra possibilidade seria propor aos alunos que comparem a solução que eles adotaram para resolver um problema, com a adotada pela IA. São compatíveis? Utilizam lógicas diferentes? Qual é mais eficiente?
Uma terceira possibilidade reside no ensino de estratégias específicas de cada área do conhecimento. Em Ciências, por exemplo, a IA pode explicitar os passos do método científico na resolução de um problema experimental, desde a formulação de hipóteses até a interpretação de resultados. Desta forma, os estudantes não apenas veem a resposta final, mas compreendem as particularidades metodológicas que caracterizam cada disciplina.
Entre uma proposta e outra, a articulação entre as etapas do raciocínio e a identificação dos erros podem contribuir para uma aprendizagem mais profunda e para o desenvolvimento de competências metacognitivas.
Contudo, é preciso atentar para um risco: a reprodução mecânica do raciocínio apresentado, sem que o aluno o tenha compreendido realmente. Se tal fato já acontecia no mundo analógico, com a memorização dos passos para a resolução de problemas de Matemática, por exemplo, agora essa tendência pode se intensificar. Afinal, a IA oferece explicações aparentemente completas e bem estruturadas, criando uma falsa sensação de domínio do conteúdo
Decomposição de tarefas
“Dividir, para conquistar“. A máxima da estratégia militar também se aplica a problemas mais cotidiano e, nesse sentido, decompor uma tarefa complexa em suas etapas menores é um caminho a ser seguido. Esta abordagem é especialmente útil quando lidamos processos elaborados, que seguem etapas bem definidas.
Trazendo para o mundo da IA Generativa, esta técnica de prompt implica em solicitar cada passo separadamente, ao invés de um produto final. Exemplificando, em vez de pedir um plano de aula, sua decomposição seria:
Vamos criar um plano de aula sobre o ciclo da água. Por favor, siga estas etapas:
- Liste os principais conceitos a serem abordados.
- Sugira uma atividade introdutória para engajar os alunos.
- Descreva uma demonstração prática do ciclo da água.
- Proponha um exercício de aplicação para os alunos.
- Indique métodos de avaliação da compreensão dos alunos.
Para outro exemplo, nosso prompt para o estudo de um texto em profundidade também segmenta cada passo.
Ao realizar cada passo separadamente, há maior precisão e detalhamento em cada resposta. A ideia é que a soma das partes resulte em algo mais valioso que uma tentativa única pela IA, que potencialmente poderia pular passos ou adotar uma abordagem que não agrade.
Mas qual a diferença com a técnica anterior? Ao aplicar o raciocínio o modelo já não está quebrando uma tarefa maior em suas partes? Sim, porém na decomposição de tarefas há uma maior agência humana sobre o processo. É o usuário que está no controle, orientando quais são os passos e a sequência a ser seguida.
Contudo, a técnica também está bastante relacionada, e pode ser aplicada em conjuntamente, com nossa próxima estratégia, o refinamento iterativo. Isto é, a cada resposta, podemos solicitar ajustes e modificações, num processo de melhoria através da intervenção humana.
Para professores, esta técnica pode ser particularmente útil no planejamento de aulas, na criação de materiais didáticos estruturados e na elaboração de guias passo a passo para processos complexos.
Refinamento iterativo
A diferença entre interação – palavra que permeia a discussão sobre tecnologia na educação – e iteração pode parecer sutil, mas é imprescindível para compreender esta técnica. Enquanto interação sugere uma troca de informações, no formato pergunta-resposta, a iteração implica repetição intencional, um processo cíclico de refinamento.
Ao passar por um mesmo passo, repetidamente, a ideia é que o sistema vá se aproximando da resposta desejada. Mais do que simples consulta, o prompt se torna um diálogo construtivo, com agência humana ainda maior.
No contexto educacional, essa distinção é relevante. Diferentemente do uso cotidiano da IA, quando uma resposta aproximada pode ser suficiente, o contexto pedagógico precisão, adequação ao nível dos estudantes e alinhamento com objetivos pedagógicos específicos.
Ícone utilizado para representar o conceito de iteração
Como iterar?
Na prática, cada iteração deve ter um propósito específico. O prompt inicial estabelece o contexto geral. Retomando o exemplo anterior> “crie um plano de aula sobre fotossíntese para o 7º ano”.
A primeira resposta serve como base para refinamentos direcionados, como “torne as atividades mais práticas”, “inclua uma analogia para explicar o processo”, “adapte para estudantes com dificuldades de leitura”.
O essencial: cada nova instrução não recomeça do zero, mas constrói sobre o que já foi estabelecido, inclusive alterando-o.
Também é importante distinguir o refinamento iterativo intencional de simplesmente “conversar” com a IA. Enquanto uma conversa casual flui naturalmente, a iteração mantém foco constante no objetivo original, com cada interação construindo deliberadamente sobre a anterior. Não se trata de uma exploração livre, mas de um processo estruturado.
Iterações educacionais
O processo de iteração pode ser aplicado em diversos tarefas educacionais:
- Projetos de pesquisa, tipicamente um processo iterativo, no qual cada decisão (tema, problema, objetivos…) precisa ser revisada a partir das definições subsequentes.
- Planejamento de aulas, pois na prática a decomposição das tarefas vem acompanhada de iterações sobre diferentes aspectos, como os objetivos de aprendizagem, as atividades propostas e mecanismos de avaliação e recursos, entre outros.
- Escrita criativa e análise literária, com a iteração sendo utilizada para desenvolver e aprimorar o texto, trabalhando em camadas de complexidade e nuance.
Em todos esses casos, uma possível vantagem da técnica é a aprendizagem ativa, com o encorajamento de um pensar crítico sobre o conteúdo gerado e a realização de escolhas conscientes sobre como melhorá-lo.
Concluindo
Algo importante a destacar é que as técnicas apresentadas exigem do usuário-educador um domínio sólido tanto do conteúdo, quanto das metodologias de ensino. Sem esta base conceitual e prática ele não sera capaz de proporcionar bons dados de treinamento ou de avaliar a pertinência e a viabilidade, em termos pedagógicos, de certas respostas.
Outra análise feita pelo Gemini, em termos do foco pedagógico. Critérios como “criatividade” e “eficiência” não foram abordados no texto e são resultado do “raciocínio” do modelo.
Nesse sentido, um prompt só pode ser tão bom quanto o conhecimento e a experiência daquele que a conduz a IA através do treinamento, das cadeias de raciocínio, da decomposição de tarefas e da iteração.
Em nosso próximo post daremos continuidade ao tema, abordando técnicas avançadas de utilização de prompts. Fiquem ligados!