Marcelo Sabbatini

4 fatos que você precisa saber sobre o apud (citação da citação)

apudO comentário causou tanta estranheza que não entendi o que aquele aluno queria dizer.

“Este turco”, professor, “é danado, não é? Quanto trabalho ele tem publicado!”

Ainda sem entender, somente pude responder, “Mas que turco?”

E aí veio a resposta esclarecedora: “O Apud. Estou vendo ele ser citado aqui e na semana passada vi citarem ele em outro livro, aliás em quase todo trabalho tá ele lá, o Apud!”.



Dizer o quê numa situação destas? Respirar fundo e recorrer à  definição dos livros de metodologia científica e da própria norma ABNT. Longe de ser um cientista otomano, o termo apud vem do latim e significa “com”, “junto a”, “em”.elaborar

E na metodologia dos trabalhos acadêmicos e da ABNT significa “citado por”, “conforme segundo”, sendo utilizado na chamada de uma referência bibliográfica para indicar uma citação da citação.

Mas o que é isso agora, já não bastam as citações, agora tem essa novidade?

Recorrendo à  mesmíssima NBR 10520, a norma da ABNT que especifica como citações, uma citação da citação é uma “citação direta ou indireta de um texto em que não se teve acesso ao original”.

Ou  seja, você vê uma citação interessante num livro ou artigo e decide utilizá-la em seu próprio trabalho. E para ser honesto intelectualmente irá dizer algo do tipo: esta citação aqui eu não vi com meus próprios olhos, mas encontrei citada neste outro trabalho aqui. Em outras palavras, você está citando uma citação.

E como tudo na metodologia científica, o que pode ser simples, está cheio de detalhes e de outros significados. Por isso, apresento quatro fatos que você não pode deixar de saber antes de fazer uma citação da citação.

1. Como colocar os autores na lista de referências?

Esta é uma dúvida bastante comum mas para a qual regra não é muito clara. A bem da verdade, a norma 10520 utiliza em seus exemplos de uso do apud os nomes dos autores e as respectivas datas. Porém, não afirma claramente que é necessário, nem o porquê deste procedimento.

Com isso, mesmo em trabalhos de pós-graduação como dissertações e teses é possível se deparar com a prática  de omissão da obra original nas referências bibliográfica. A prática comum é utilizar somente a obra consultada, não incluindo a obra citada nas referências.

É um mal entendido que se propaga: pesquisando informações para elaborar este post, cheguei encontrei um manual da Embrapa que determina: “Na lista de referência deve-se colocar somente a obra consultada”.

Porém, mais além do exemplo da norma, do ponto de vista da lógica mais essencial das referências bibliográficas esta prática não faz sentido, é incorreta. Por quê? Simplesmente por que a função da referência é indicar ao leitor suas fontes e com isto possibilitar o que se chama na na ciência de “avaliação intersubjetiva”.

Ou de forma mais simples, permite ao leitor (em muitos casos quem está avaliando seu trabalho) identificar a fonte utilizada como base para você fazer suas afirmações e, se for o caso, buscá-la para averiguar se o que você diz “bate”.

Por este motivo, ao colocar somente a obra consultada na lista de referências, você estará “escondendo”o autor citado. Mesmo se for um autor de sobrenome conhecido, de quem você está falando realmente? E de que obra sua? De qual edição? Como autor de um texto acadêmico, sua obrigação é ser o mais transparente possível, facilitando ao leitor todas estas informações.

Mas, ah! Se este leitor fosse tão interessado assim, ele não pode ir até o mesmo livro que eu consultei e obter a referência bibliográfica? Sim, mas até que ele possa fazer isto, a dúvida está instaurada. Existe uma “quebra” entre saber qual sua fonte, diretamente da leitura do trabalho, e ir buscar um livro para descobrir a mesma coisa.

Como argumento final, pode ser que seu leitor tenha acesso ao original, sendo mais difícil encontrar o trabalho que você tenha consultado.

Resumindo, a necessidade de transparência é tamanha que o manual de normalização de trabalho acadêmicos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), recomenda: além de incluir na lista de referências, apresente imediatamente a referência da obra citada em uma nota de rodapé.

2. Os números das páginas são necessários?

Uma das regras que norma 10520 estabelece é que citações diretas precisam ser acompanhadas do número da página onde foram encontradas, na fonte consultada. A lógica por trás da regra é, novamente, facilitar a vida do leitor, caso ele queira verificar as informações.

Como muitas vezes o apud é utilizado para “emprestar” citações diretas, poderíamos pensar que todas as chamadas de referência bibliográfica de citação da citação devem vir obrigatoriamente acompanhadas do número de página, certo?

Na prática não, pois como qualquer outro tipo de citação, ela poder assumir várias formas, como por exemplo: reproduzida literalmente, interpretada, resumida ou traduzida. Somente no primeiro destes casos, o da reprodução ipsis literis (letra a letra) seria preciso colocar o número da página da obra onde a referência foi encontrada.

Para esquematizar, temos basicamente dois casos possíveis:

Citação de Citação Direta

É o caso mais comum discutido antes e segundo o exemplo da própria norma:

“[…] o viés organicista da burocracia estatal e antiliberalismo da cultura política de 1937, preservado de modo encapuçado na Carta de 1946.” (VIANNA, 1986, p. 172 apud SEGATTO, 1995, p. 214-215).

Repare que o número de página se utiliza para as duas obras, a citada e a consultada. Isto reforça o argumento de que os leitores podem ter acesso à  obra geral. Ou seja, eu poderia ir diretamente ao livro de Vianna na página 172 para encontrar esta citação direta. Ou então caso, não tenha acesso, iria ao livro de Segatto, nas páginas 214 e 215.

De todas formas, vamos repetir, é preciso que as duas obras tenham entradas na lista de referências bibliográfica.

Citação de Citação Indireta

Um pouco menos comum, mas é o caso de se sintetizar ou parafrasear a citação encontrada . Também através do exemplo utilizado na NBR 10520, temos:

No modelo serial de Gough (1972 apud NARDI, 1993), o ato de ler envolve um processamento serial que começa com uma fixação ocular sobre o texto, prosseguindo da esquerda para a direita de forma linear.

Nesta situação, repare só, o número de página não deve ser utilizado, pois estas ideias podem estar disseminadas pela obra como um todo.

Citação de elementos não textuais

Outro fato pouco conhecido: a citação da citação não precisa necessariamente ser de um trecho textual. Imagens, tabelas, diagramas, figuras e quadros também podem ser reproduzidos e citados.

Então como fazer? Pelas normas da ABNT é preciso citar a fonte deste elemento de informação, o que é feito pela chamada da referência. Basicamente é aplicar o mesmo procedimento de uma citação direta.

3. Posso  usar o tal do apud ou citação da  citação a vontade?

Embora a norma ABNT não o diga explicitamente, existe uma interpretação recorrente na comunidade acadêmica a respeito do uso do apud. Uma citação da citação é um último recurso. Isto é, deve ser evitado ao máximo.

O motivo não é nenhum tipo de preconceito, somente uma consequência da lógica do trabalho científico. Ao não ter sido consultada, a citação da citação corre o risco de trazer consigo erros ou, no caso das paráfrases, de ter sido mal interpretada. Mesmo quando se faz uma citação direta, literal, a cópia exata do texto a ser citado, os erros de transcrição acontecem.

Porém também existe um outro motivo, talvez até mais forte para você não utilizar o apud: pode ser um indicativo de preguiça mental.

De certa forma, ao utilizar a citação da citação, você está deixando de buscar fontes em primeira mão para se amparar naquilo que um outro autor já levantou. Por este motivo, somente utilize este recurso quando a obra citada for completamente inacessível. Nunca, mas nunca mesmo, utilize uma citação da citação de um livro que está ali, a seu alcance, na biblioteca.

4. Afinal como é que se pronuncia?

Para terminar, uma pergunta que aflige muita gente: como é que se fala a palavra? àpud ou apúd? O primeiro mais seco, um pouco mais esnobe. O segundo lembrando uma sonoridade árabe, que possivelmente inspirou o aluno a mencionar o tal do “turco”.

Segundo o Dicionário de Brocardos Latino-Jurídicos, a pronúncia correta seria com o acento no “a”, ou seja, ápud.

Mas lógico, mais importante do que pronunciar corretamente é utilizar corretamente! Espero que com estas dicas você nunca deixe de acertar uma citação da citação. Bom trabalho!

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