Marcelo Sabbatini

Autobiografia intelectual: parte 2

Este texto foi elaborado originalmente como um memorial de pesquisa, como requisito para o que eu pudesse participar do V Seminário Temático Globo/Intercom 2011 ”“ “Pesquisa em Comunicação”. Novamente,uma excelente ocasião para se repensar a trajetória em uma carreira tão complexa como a acadêmica.

Em uma outra ocasião, descrevi como nos primeiros dias de aula, uma professora se espantava diante de uma trajetória algo inusitada: engenheiro químico, trabalhando com novas (na época) tecnologias, fazendo mestrado em Comunicação Social. Naquele memorial refleti como minha história familiar e minha trajetória pessoal tinham me levado aquele ponto; talvez parte do espanto fosse meu, que naquele momento me dispunha ao equivalente intelectual de uma aventura marítima. Talvez não tanto pela mudança na área de conhecimento, mas pela empreitada tão longa e árdua, como as grandes navegações, que é a construção de uma carreira acadêmica.

Explorando as costas

Naquele ano de 1998, eu começava a sair do porto, para descobrir qual seria meu foco de atuação. O eixo que unia as tecnologias de informação e de comunicação, a divulgação científica e tecnológica (minha área de concentração no POSCOM da Universidade Metodista de São Paulo) e a graduação com forte ênfase em pesquisa científica era a meu ver bastante coerente. Porém, somente a realidade prática poderia me dizer que caminhos eu tomaria e onde iria chegar.

Nestes dois primeiros anos, minha ênfase foi bastante prática; era então pesquisador do Núcleo de Informática Biomédica, participando do e Pub – Grupo de Publicações Eletrônicas Em Medicina e Biologia. O próprio campo era novidade, a Internet ainda em sua infância, um terreno de promessas. Podia unir então estudo, pesquisa e aplicação, como por exemplo a participação em publicações eletrônicas como a as revistas Informática Médica e Intermedic. Porém, o trabalho mais significativo do período foi minha atuação como Webmaster da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo ”“ SOCESP, sendo responsável pelo periódico científico em formato eletrônico. A busca por modelos, padrões e tendências na publicação cientifica foi o tema de minha dissertação de mestrado.

Ao mesmo tempo que conhecia e convivia com figuras emblemáticas como Wilson Bueno, Isaac Epstein e o “timoneiro da Comunicação”, José Marques de Melo, uma oportunidade acabou redirecionado minha atividade acadêmica nestes anos iniciais: um convênio entre o POSCOM e o o Máster Ciencia Tecnologia e Sociedade (CTS): Cultura e Comunicação em Ciência e Tecnologia, da Universidade de Salamanca, capitaneado pelo professor e filósofo Miguel àngel Quintanilla, meu mentor intelectual. O ano de 1999 abriu-se então para uma perspectiva mais ampla e enriquecedora, onde a sociologia e a filosofia da ciência, além claro, de uma experiência de vida e o contato com pesquisadores como Pierre Fayard e Manuel Calvo Hernando, seriam como víveres inesgotáveis para minhas futura explorações.

Além do Cabo da Boa Esperança

Ir mais além. Porém, utilizando as bases do mundo conhecido para entrar no desconhecido. Se os navegadores portugueses, utilizaram a costa ocidental da àfrica para, passo a passo, contornar o continente, algo semelhante aconteceu comigo. Após, defender o mestrado e com a desorientação típica daqueles que terminaram um projeto de larga dedicação, meus planos não estavam bem definidos. Pensava em voltar a Salamanca, realizar o doutorado lá.

A questão era: como me manter na Espanha? Comecei a procurar emprego através de sites na Internet, enfrentando inúmeras dificuldades: ser estrangeiro, estar no Brasil, tentar penetrar um mercado de trabalho marcado pelo desemprego, principalmente da população jovem. Contudo, era o ano 2000; todos tinham a ilusão de ficarem ricos com a Internet. Ao voltar ao Brasil, havia me deparado com algo inusitado até então, outdoors de sites de busca ou de comércio eletrônico preenchiam as ruas das cidades. Ninguém sabia como, mas criar conteúdo, criar serviços era a onda do momento. Uma onda global, logicamente, e uma destas oleadas me levou de volta à  Espanha, justamente a Salamanca. Um empreendedor local estava abrindo uma empresa de novas tecnologias, viu a experiência do Máster em meu currículo, tomou a flexibilidade e a inovação brasileira como valores. Depois de um telefonema, em uma semana estava de volta, trabalhando e me articulando para o doutorado. O tempo na empresa foi uma boa vivência, pude unir estudo, pesquisa e aplicação tecnológica em minha atividade. Mas devido à  falta de habilidade gerencial, tínhamos poucos projetos, o tempo era utilizado para prospecção tecnológica: pesquisar tecnologias, padrões, plataformas, tendências. Infelizmente, a pesquisa por si só em um contexto empresarial não gera receitas e sem receitas não há lucros; somado ao rompimento da bolha e das ilusões da primeira geração dot.com, a empresa definhou.

Neste momento já terminara os créditos do doutorado em Processos de Formação em Espaços Virtuais, situado dentro do Departamento de Teoria e História da Educação da Universidade de Salamanca. Unindo os três eixos, o digital, a educação e a comunicação científica a qual me dedicava, meu objeto de estudo foram os museus e centros de ciência virtuais. Com a perda do emprego eminente, teria que fazer a parte da pesquisa no Brasil; outro vento favorável veio a minha ajuda. Mantendo o contato com Quintanilla, fui convidado a participar do desenvolvimento de uma plataforma tecnológica de informação científica e tecnológica na Internet, o projeto Novatores. Fui contratado pela Fundação da Universidad de Salamanca e pude me dedicar mais à  vida acadêmica.

Neste período também posso situar um dos momentos mais prolíficos no que toca à  pesquisa científica, de toda minha carreira acadêmica até o momento. Acontece que com os recursos financeiros que o governo regional aportava ao projeto Novatores, Quintanillla aproveitava a infra-estrutura de escritórios, computadores, redes, etc. para plantar as sementes do que viria a ser o atual Instituto de Estudos da Ciência e Tecnologia. Este centro de pesquisa da Universidade de Salamanca consolidava a experiência do Máster CTS para lançar um programa de doutoramento, além de promover projetos de pesquisa aplicada.

Foi através dos projetos captados entre 2003 e 2004 que me vi dividido entre as atividades mais técnicas, mais práticas do projeto e a coordenação e participação em projetos de natureza fundamentalmente empírica do nascente Instituto. O primeiro, de certa forma, era compartilhado com um sub-projeto denominado DICYT, uma agência de notícias científicas baseada na Internet que proporcionaria gratuitamente aos meios de comunicação notícias e reportagens elaboradas por comunicadores científicos especializados. Trava-se de estudar a cultura científica da imprensa regional de Castela e Leão, como diagnóstico prévio à s atividades que iriam ser desenvolvidas na agência. Para isso foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, a qual eu já vinha “namorando” desde os tempos de uma disciplina realizada no Máster. Foram estudados quatro jornais de diferentes províncias da região, com enfoque quantitativo, buscando determinar a presença relativa de notícias relacionadas com ciência e tecnologia. Identificamos, além disso, características como gêneros jornalísticos, temáticas, importância e autoria, além de utilizar os conceitos de “enquadramento” e “caráter” provenientes da teoria da agenda-setting. Este primeiro estudo foi fundamental para meu desenvolvimento acadêmico, na medida em que integrava teorias da comunicação de massa com a necessidade de desenhar a metodologia a ser utilizada. Em outras palavras, eu precisei desenvolver uma práxis, a articulação entre teoria e prática para este projeto de dimensões consideráveis fosse bem sucedido. Coordenei três codificadoras, todas alunas do Máster CTS, para que fizessem a seleção das notícias (depois de realizada a amostragem, segundo a técnica da semana construída) e as analisassem.

Os resultados foram providenciais para o desenvolvimento da agência: pudemos verificar grosso modo que as notícias de ciência e tecnologia publicadas regionalmente eram “enlatadas”, provindo de agências de notícias internacionais e, frequentemente, com temáticas alheias à s realidades locais. Ainda mais, gêneros interpretativos como o editorial, as colunas de opinião ou as crônicas praticamente inexistiam. Levando em conta os resultados, pude então articular em uma nova dimensão pesquisa empírica-prática a relação entre a análise de conteúdo que fizemos e várias decisões de projeto, com repercussões técnicas para a plataforma informática.

Mas antes de que este estudo acabasse, iniciamos outro, agora financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia da Espanha. O objetivo, bastante similar ao primeiro, era analisar a presença da ciência e da tecnologia na mídia espanhola, mas a partir da ótica das universidades deste país. Buscávamos, novamente através da análise de conteúdo, avaliar o impacto que as universidades, importantes centros produtores do conhecimento científico e das aplicações tecnológicas, tinham sobre a opinião pública, ou pelo menos, que tinham indiretamente através de sua representação social nos meios de comunicação de massa. Ao redigir o projeto, lembro-me bem de uma lição aprendida: a importância da justificativa. Basicamente, o que eu devia fazer era convencer os analistas do Ministério de que as universidades, pese todo o investimento do Estado, poderiam não ser percebidas pelo grande público como relevantes para a ciência e a tecnologia. E com este fato, seria ainda mais difícil que este importante campo da atividade humana recebesse financiamentos públicos. Sob a orientação de Quintanilla, esta foi a seção do projeto mais trabalhosa, precisando re-escrevê-la inúmeras vezes. Afinal, o aporte dos recursos dependia desta argumentação; este ensinamento busco levar aos alunos de graduação até hoje. Felizmente, fomos bem sucedidos, o projeto foi aprovado e agora eram duas equipes de codificação. Porém, neste caso, a utilização dos meios digitais e a limitação aos dois principais veículos jornalísticos, El País e El Mundo, foram decisões acertadas que viriam a estabelecer uma orientação de realização de pesquisa empírica, dentro da técnica da análise de conteúdo.

Finalmente, também participei na segunda fase de uma pesquisa que analisava a cultura biotecnológica na Espanha. Como ramo da tecnociência de importante relevância econômica, mas ao mesmo tempo bastante polêmica (basta pensar em alimentos transgênicos e em clonagem humana), a percepção da biotecnologia era considerada estratégica. A pesquisa teve financiamento privado e governamental. Na primeira fase, da qual apenas participei ora ou outra compartilhando a experiência adquirida como os outros dois projetos, havia sido feita a análise de conteúdo de três meios digitais, os já mencionados periódicos, além da agência de notícias EFE. Nesta etapa, fizemos análises mais profundas sobre os dados, destacando um estudo das metáforas utilizadas na divulgação da biotecnologia. Novamente, articulação teoria-prática, na medida em que me inspirei em um estudo inglês publicado em importante journal da área e cuja metodologia adaptei. Esta análise qualitativa, entrando nos elementos linguísticos, mitológicos e emocionais da divulgação científica deu bons resultados, servindo como fundamento para a elaboração de um manual voltado a comunicadores, estabelecendo boas práticas para a comunicação pública da biotecnologia.

Mais para o final do ano de 2004, uma leva de congressos e eventos permitiu que divulgássemos os resultados destas pesquisas, além de tornar público o projeto Novatores, que já começava a entrar em operação. A participação nestes fóruns, entendida como a comunicação dos resultados da pesquisa científica, também foram importantes para meu amadurecimento acadêmico.

Chegando o final do ano, defendi a tese; ao mesmo tempo os projetos (e os financiamentos) acabavam, somente tínhamos ideias e perspectivas para o Instituto e para minha permanência. Este ciclo da exploração se fechava, já estava longe do Brasil há muito tempo. O desafio maior havia sido superado, o Cabo da Boa Esperança dobrado. A decisão de voltar foi tomada com resolução.

Calmaria nos trópicos

Todo regresso é complicado; o que não ocorreria com os navegadores, depois de voltar, anos, décadas depois de sua partida? Em meu caso, o desafio era construir uma carreira, era pouco conhecido no Brasil. Por motivos afetivos, para me reunir com minha companheira e também pesquisadora da Comunicação, Betania Maciel vim viver em Recife, onde também haveriam mais oportunidades. E realmente fui bem acolhido naquele que é hoje reconhecido como o novo campo do desenvolvimento econômico brasileiro e onde uma brisa doce foi reconfortadora depois de tantos invernos gelados..

Logo de início, vinculei-me ao Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local ”“ Posmex da Universidade Federal Rural de Pernambuco, realizando assim meu pós-doutorado, com aval e financiamento do CNPq. Pude então amadurecer os temas que havia tratado na tese, divulgando-a, além de tecer novas reflexões sobre o papel cidadão da mídia digital e seu impacto sobre a inclusão social. Mas terminada a bolsa de pós-doutorado, o rumo mais óbvio, em um país onde pesquisa, desenvolvimento e inovação praticamente não existem dentro das empresas era o ensino; comecei com duas disciplinas em uma faculdade particular, em pouco tempo já estava dedicando quase quarenta horas semanais à s salas de aula.

Com este ritmo de trabalho e não estando ligado a grupos de pesquisa, minha atividade em pesquisa entrou em zona de calmaria. Mas como toda crise também é uma oportunidade, pude-me dedicar à  docência, acumulando a prática que complementava meu conhecimento teórico em teoria da educação. Mas o ponto principal desta fase, acredito, é ter vinculado as atividades de aprendizagem ao conceito de pesquisa científica. Ministrando a disciplina de metodologia científica busquei desenvolver atividades que despertassem o senso crítico, a capacidade de análise, a comunicação dos resultados.

Acredito firmemente que os conteúdos, atitudes e habilidades científicas formam melhores profissionais e melhores cidadãos; defendi esta ideia em um texto intitulado “A metodologia de pesquisa e o ensino de Marketing: aplicando o pensamento crítico para o fomento de hábitos e atitudes científicas” a ser publicado em uma coletânea, cancelada pela instituição promotora. Versões resumidas deste texto circularam em pequenos eventos, contudo este vínculo entre pesquisa e aprendizagem no campo da Comunicação e a falsa dicotomia “faculdade de mercado/universidade de pesquisa” merece divulgação e discussão. Atuei como orientador de iniciação científica e de trabalhos de conclusão de curso, ajudei a lançar revistas acadêmicas, enfim, busquei contribuir para a instituição de uma lógica e de uma cultura de pesquisa dentro das faculdades particulares. Um trabalho de Sísifo, pois cada iniciativa soçobrava frente à  falta de apoio institucional, somente para ser revivida como grande novidade a cada visita de autorização ou de reconhecimento; pergunto-me frequentemente se os esforços do MEC e do SINAES por implementar a cultura de pesquisa darão frutos ou se a praga do tecnicismo irá prevalecer.

Falar de metodologia também merece um comentário sobre esta disciplina interdisciplinar por natureza, infelizmente confundida com a normalização de trabalhos acadêmicos e com o seguimento das regras da ABNT. O que me atrai na metodologia são justamente os métodos e técnicas, especialmente aqueles relacionados com a pesquisa empírica. Se em passos anteriores havia me preparado e me capacitado para compreender e dominar a lógica dos trabalhos acadêmicos, foi durante as pesquisas realizadas no Instituto que floresceu meu interesse.

A razão? Simples, pura necessidade. Pois a metodologia é a ponte entre os objetivos e a consecução (ou não) dos resultados pretendidos; sem uma metodologia adequada, e neste ponto validade, confiabilidade e reprodutibilidade entram em cena, todos os recursos que nos brindavam seria dinheiro em vão. Uma crítica (que logo se revelou infundada, pois utilizava conceitos de pesquisa qualitativa, enquanto o estudo havia sido quantitativo) me chamou a atenção a necessidade de me fortalecer em conceitos de amostragem, estatística e do método em geral. Investi tempo e esforço nesta área, muito antes de descobrir o potencial de horas-aula que a metodologia me reservaria no futuro. Naquele momento, porém, amparado nos muitos textos da pragmática e objetiva literatura norte-americana pude me aproximar e praticar técnicas como o questionário e o grupo focal, utilizados na pesquisa empírica do projeto Biocult 2.

Durante este período também me envolvi com a Folkcomunicação, uma disciplina ainda pouco conhecida no meio acadêmico, mas a primeira teoria da comunicação legitimamente brasileira. Em princípio, entrei na Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação ”“ Rede Folkcom devido a motivos pessoais; com a familiarização com a teoria de Luiz Beltrão e com a pequena mas seleta comunidade científica deste campo, acabei me envolvendo. Neste sentido, consegui articular os temas que já dominava, agenda-setting, a dialética real-virtual, a museologia…

Porém, o que mais me chamou a atenção durante esta convivência com a comunidade da Follkcomunicação é a necessidade de afirmação de qualquer campo do saber. Junto à  presidente da Rede, Betania Maciel, temos defendido a ideia de que esta afirmação se dá por dois movimentos: o primeiro, o de uma institucionalização do campo, com a criação das estruturas de produção do conhecimento e dos canais de divulgação. O segundo, de que o campo só pode se firmar na medida em que tiver consistência teórica e metodológica, em que se expandir mais além das ideias iniciais de seu(s) fundador(es). A analogia que costumo utilizar é a de Durkheim, no final do século XIX criando as bases institucionais, teóricas e metodológicas daquilo que hoje conhecemos por Sociologia. Sou parecerista da Revista Internacional de Folkcomunicação, aceitei o desafio de escrever verbetes para a Enciclopédia Intercom de Comunicação, participei de números temáticos. Assim era o estado das coisas, quando a nau colocou-se em movimento outra vez.

Rumo a novos horizontes

Depois dos anos iniciais reconhecendo um objeto de pesquisa, da fase de aceleração e de aproveitamento com a participação em projetos de pesquisa empírica, articulados com a teoria e com a intervenção tecnológica e de um momento mais calmo de reorganização, uma nova etapa se iniciou em minha trajetória, em junho de 2010.

Na ocasião, fui aprovado e convocado em concurso público para atuar como docente do ensino superior federal, mais especificamente no Departamento de fundamentos Sociofilosóficos da Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Olhando para trás, a impressão de que cada passo dado conjurou para este momento decisivo, principalmente a experiência em tecnologia educacional e em educação a distância. Este tema transversal, estudado prospectivamente em meus dias empresariais, aprofundado no doutorado, projetado em minhas intervenções junto a projetos de consultoria e de desenvolvimento realizados junto ao Instituto Edumed para a Educação em Medicina e Saúde, conduzido por meu pai, abria-se a minha frente em vaga destinada a Universidade Aberta do Brasil.

Pouco mais de seis meses se passaram desde que assumi o cargo; muito mudou e não me refiro a tão sonhada estabilidade do emprego público, mas à  lógica da atividade a qual sempre me dediquei: a academia. Ao invés de lutar por, pesquisa se tornou uma obrigação; autonomia e independência voltaram à  sala de aula, palavras como extensão e edital voltaram ao vocabulário. Neste sentido, a liberdade passa ser quase um entrave e durante algum tempo estive ajustando os “chips” mentais para me adequar a nova situação.

O principal desafio, estabelecer novos rumos. E assim como os portugueses, uma vez conquistada a rota das àndias se voltaram a outros horizontes, busquei associar áreas de pesquisa como a teoria da educação, as mídias digitais, a educação a distância, a divulgação científica, o ensino de ciências e minhas raízes na Comunicação, em um todo coerente. Já vislumbro terra firme, tendo iniciado o projeto de pesquisa que me vincula ao departamento, com a temática da representação social e do agenda-setting, velho conhecidos, aplicados agora à  temática da educação a distância. Em outras palavras, que imagem se faz da chamada EAD, vista ora como “salvadora”, ora como “ruína” junto à  sociedade? Assim como as controvérsias científicas e a pesquisa em geral, os meios de comunicação de massa apresentam-se como “arenas” onde interesses públicos e privados se digladiam. Para responder a esta pergunta, a pesquisa empírica se faz necessária e assim o projeto está relacionado com iniciativas no terreno da iniciação científica e da extensão, esta última com a proposta de criação de um Observatório da Educação a Distância que analise não somente os mass media, mas outras instâncias da comunicação pública, como por exemplo os órgãos de classe e a própria legislação.

Confesso que em determinado momento, ponderei se deveria continuar vinculado ao campo da Comunicação. Raciocínio frio, inspirado pela lógica sistemática (mas não necessariamente inteligente) da gestão da ciência e da tecnologia que impera no Brasil. Aderência, coleta CAPES, classificação Qualis segundo área do conhecimento, o discurso da interdisciplinaridade se esvai nos procedimentos e critérios que irão determinar a vida ou a morte acadêmica do docente/pesquisador. Entretanto, negar este caráter interdisciplinar seria negar minha própria carreira acadêmica, a escolha deste eixo e destas múltiplas trajetórias. E mesmo do ponto de vista pragmático, seria uma séria limitação na medida em que vemos os campos se aproximando.

É neste sentido que outra linha de pesquisa que estou iniciando resgata conceitos que trabalhei anteriormente e vai mais além: trata-se do conceito de convergência digital, entendida não somente no conceito de convergência das mídias (canais), mas também dos contextos onde o acesso aos bens culturais se realiza: não mais limitado somente ao âmbito escolar ou universitário, mas difundido, como a própria rede, em nossas vidas cotidianas. Tal projeto, orienta-se à  minha participação no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática e Tecnológica ”“ EDUMATEC do Centro de Educação da UFPE, onde a convergência entre mídias, formatos e contextos poderá ser estudada e pesquisada em profundidade. Cabe destacar, que o Programa está vinculado a projetos como o Um Computador Por Aluno (UCA), dando vazão à  realização de pesquisas empíricas junto aos usuários destas tecnologias.

Finalmente, ao falar de usuários também nos leva a pensar nas identidades culturais formadas a partir da convergência digital e que em última instância conformariam o chamado receptor-emissor deste novo espaço comunicacional-educacional. A partir de uma perspectiva crítica, estou preparando uma primeira reflexão sobre as barreiras que a “revolução das massas digitais” podem proporcionar a tão sonhada comunicação ubíqua, democrática, participativa, sob a forma da “cultura do amador” e dos “favelados digitais”. Choque cultural? Deterioração cognitiva? Conflito de classes no “ciberespaço”? “Mais do mesmo” no meio digital? São questões de poder e de hegemonia que perpassam tanto a educação como a comunicação. Esperamos encontrar em Paulo Freire, em Ivan Illich e também em Luiz Beltrão algumas vias interessantes para esta análise. A hora é de levantar âncoras e de soltar velas.

Marcelo Sabbatini
Recife, 25 de abril de 2011

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