Marcelo Sabbatini

Plantar em terra alheia: os riscos da visibilidade acadêmica na Web 2.0

Plantar em terra alheia: os riscos da visibilidade acadêmica na Web 2.0

Para quem viveu os primeiros tempos da Internet, é um mundo totalmente novo.

Todas as promessas de interatividade cumpridas, com milhões de pessoas conectando-se através de uma gigantesca aldeia global.

E ao contrário dos pioneiros, os internautas/usuários de hoje não precisam ter conhecimento técnico, primando a usabilidade acima de tudo.

Um universo digital marcado pela inovação e pela experimentação, com um sem fim de possibilidades para existir, atuar e se relacionar na grande rede mundial de computadores.

E para coroar, tudo grátis!

Este é o mundo da Web 2.0, com seus serviços e aplicações, interativos, dinâmicos, sociais, participativos. E repetindo, gratuitos.

Para um acadêmico buscando ampliar sua visibilidade acadêmica e presença online, em busca de maior reconhecimento junto a comunidade acadêmica, é possível criar um autêntico império de mídia digital, sem gastar um real e apenas utilizando os serviços da Web 2.0.

Entre as possibilidades, podemos listar:

Rápidos, eficazes, eficientes. E sem custo. O caminho certo a seguir, correto?

Uma análise mais detalhada dirá que não. Pois ao depender de serviços controlados por terceiros, você estará se tornando um arrendatário virtual, com todos os riscos associados. Em outras palavras, você estará plantando seus projetos e seus sonhos em terra alheia. E se esta terra não é sua”¦

Os perigos do arrendamento virtual

De forma geral, todos serviços da Web 2.0 estão inseridos em um modelo econômico que não é aparente ao usuário final. O especialista em marketing digital Nicholas Carr chamou isso de “arrendamento virtual”, caracterizado pela distribuição da produção estar nas mãos de muitos e a concentração das recompensas econômicas nas mãos de muitos poucos.

O termo original “sharecropping”, literalmente “colheita compartilhada” faz referência a um período particularmente difícil da história norte-americana: com o final da Guerra da Secessão, tanto os negros libertos como pequenos fazendeiros brancos se viram obrigados a plantar nas terras de grandes proprietários, em condições próximas a escravidão. Na realidade brasileira, podemos lembrar os versos deMorte e Vida Severina, para pensar sobre a injustiça do uso da terra:

Esta cova em que estás, com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida

Para compreender melhor o que isto significa no mundo virtual e como funciona na prática, tomemos o Facebook como exemplo. Milhões e milhões de pessoas criam conteúdo diariamente nesta rede social, fazendo com que este site possua valor informacional e seja cada vez mais visitado. Contudo, todo este conteúdo pertence a Mark Zuckerberg e seus acionistas. Quanto mais conteúdo criamos, mais valioso esta rede social se torna. Quanto mais trabalhamos, maior o lucro desta empresa. Dito em outras palavras, quem faz o FB ganhar dinheiro somos nós.

Se este pensamento já é por si só desconfortável, a metáfora do arrendamento pode tornar a situação ainda mais ameaçadora. Em um arrendamento, o dono das terras possui controle total. Se ele decidir terminar a relação, você perderá seu meio de sustento. Se ele decidir aumentar sua margem de lucro, você passará fome. E mesmo que não sejamos agricultores de subsistência, o arrendamento digital possui seus próprios perigos. Vejamos alguns deles:

Adesão cega aos termos de serviços

Aquelas “letras pequenas”. Ao fazermos a inscrição num destes serviços, a condição está clara: é preciso apertar o botão e concordar. Mas concordar com quê? É fato consumado, ninguém para para ler o tal contrato de adesão, também conhecido como “termos de serviço” (TOS, terms of service, na linguagem globalizada).

Você costuma ler os termos de serviço?

Ao clicar/assinar, você estará aceitando completamente as condições que seu arrendatário impuser, sejam elas quais forem, com repercussões para os pontos que discutirei a seguir. E além do mais, algumas condições são essencialmente subjetivas e dependem da interpretação do provedor, como por exemplo o que pode ser considerado “adequado” ou não.

Proteção e preservação dos dados

Uma das características mais marcantes dos serviços Web 2.0 é o “armazenamento nas nuvens”, ou seja, todos seus dados ficam disponíveis através da Internet, alojados em conjunto de servidores interconectados.

A praticidade é sedutora. Com conexões a Internet cada vez mais presentes em qualquer lugar e rápidas, ficamos livres da limitação física de ter que aceder a uma máquina específica, num local específico para acessar nossa informação mais precisa. Existem outras vantagens, pois ao delegar à  nuvem o armazenamento, já não precisamos nos preocupar com as cópias de segurança (backups), com upgradesde equipamentos e outras tarefas chatas e custosas.

Não é nada para ter medo, é somente a Natureza nos lembrando de fazer backup nos dados. E você, faz o backup de seus dados que estão na nuvem?

Mas existe um outro lado, temeroso e ameaçador, desta maior flexibilidade de acesso: a cessão de controle.

Se sua conta for bloqueada, como ter acesso à  informação? Se ocorrer um erro ou mesmo um ataque informático, com perda de dados, quem irá se responsabilizar? Qual a política do serviço em relação à s cópias de segurança? Como toda nuvem, a sua pode simplesmente se dissipar.

Direitos autorais

Clara e diretamente, a quem pertence a informação criada/armazenada em serviços Web 2.0?

O novo termo de serviço adotado pelo Google em 2012 causou polêmica na rede ao se dar o direito de fazer qualquer uso da informação armazenada pelos usuários (reproduzir, modificar, criar obras derivadas, traduzir, entre outros), desde que fosse para a inovação e melhoria dos produtos da empresa. Ou seja, embora você mantenha a propriedade intelectual sobre o mesmo, seu conteúdo pode ser utilizado de diversas formas pela empresa provedora do serviço.

Cartilha Google de direitos autorais. As regras: 1) Nós somos o Google e podemos roubar o conteúdo de qualquer pessoa. 2) Você não pode.

Um outro exemplo. Recentemente, foi divulgada a informação de que o Instagram poderia comercializar as fotos enviadas por seus usuários. Pense bem. Você dedica meses ou anos de esforço criando um conteúdo subjetivo, particular, que é seu, para logo descobrir um dia que ele não lhe pertence.

Ausência de canais de resolução de conflitos

Em todas as situações descritas acima ocorrerá um conflito com a empresa prestadora do serviço. Como resolvê-lo? Qual o foro de resolução estabelecido pelos termos de serviço? A empresa possui representação e está constituída em território brasileiro? Se ela existir somente em algum condado na Califórnia ou lugar perdido na China, por exemplo, será inviável entrar na justiça.

Exemplos e consequências na falha de serviços Web 2.0

Como diz o ditado norte-americano, “não existe almoço grátis”. A praticidade e baixo custo dos serviços Web 2.0 possui um custo oculto, em termos de insegurança e de cessão de controle.

E vale a pena ressaltar que nenhum destes riscos é apenas teórico ou abstrato. Eles existem na prática, com repercussões devastadoras. Exemplos?

Desde seu início, o serviço Ning ofereceu comunidades virtuais para quem as necessitasse ou desejasse. Inicialmente adepto do modelo freemium, o serviço básico era gratuito. Mas a depender do número de usuários na comunidade e de facilidades como domínio próprio, ausência de publicidade, etc., havia modalidades pagas.

Entretanto, após uma análise de seu modelo de negócios, os executivos perceberam que somente 20% das comunidades gerava 80% da receita, segundo o clássico modelo de Pareto. Logo, em 2010, o Ning extinguiu as comunidades gratuitas, deixando “órfãos” milhares de educadores, comunicadores e outras pessoas que utilizavam o serviço. Deixaram o “free” do modelo freemium, pasando a ser um serviço de melhor qualidade, mas pago. Pelo que consta, foi somente a partir desta decisão polêmica  que a operação se tornou tornou lucrativa.

Linha de resolução de conflitos: “Eu sou somente o faxineiro aqui”.

Um conflito fácil de ser resolvido. A águia come o fígado de Prometeu, sem muita discussão.

Já pelo lado do sensacionalismo e do mundo das celebridades, quem não se lembra do caso Daniela Cicarelli? Corria o ano 2006 e a modelo protagonizou uma ação judicial, solicitando que o YouTube retirasse da rede seu vídeo de flagra sexual. Como não foi atendida, até mesmo por que os vídeos retirados eram republicados, os advogados da apresentadora solicitaram o bloqueio do portal em todo território nacional. Felizmente a Justiça julgou o pedido improcedente; caso tivesse ocorrido, a atividade de milhares de pessoas que utilizavam os canais de vídeo como parte de seu marketing online teriam sido fortemente prejudicadas.

Já no Facebook, a polêmica é recorrente: toda nudez é indecente ou pornográfica? Mães amamentando, mulheres vítimas de câncer no seio, artistas e modelos foram usuários que tiveram suas contas bloqueadas devido a postarem algum tipo de conteúdo que a empresa julgou inapropriado. Parafraseando o escritor imortal, no Facebook “toda nudez será castigada”.

No plano pessoal, escutei o caso de um professor universitário que depois de dez anos utilizando continuamente os serviços do Google, descobriu sua conta bloqueada. Sem explicações, sem possibilidades de demandar ou exigir o acesso a todo seu histórico de mensagens, contatos, anexos e arquivos, reunidos com muito trabalho e esforço. Sua melancólica mensagem solicitava a amigos e colegas de profissão enviassem seus contatos, para reconstruir tudo do zero.

Logicamente, estas não são situações únicas; basta navegar na Web para encontrar uma ampla variedade destas “estorinhas de terror” que assombram a rede social. Comunidades, páginas de empresas, grupos de interesse de fotografia fechados, da noite para o dia, sem explicação. E sem possibilidade de retorno.

Análise de riscos em serviços Web 2.0

Então, o que fazer? Que caminho tomar?

Seu público-alvo, seja ele qual for, espera que você esteja presente e ativo nas redes sociais. Mas por outro lado, você quer segurança, controle e propriedade daquilo que é seu.

A resposta é adotar uma metodologia de análise e gestão de riscos. Aplicada aos serviços Web 2.0, e de forma bastante resumida, apresentamos a tabela abaixo, elaborada pela UKOLN, um pioneiro centro de pesquisa em infra-estrutura digital, políticas de informação e gestão de dados:

RISCO AVALIAà‡àƒO GESTàƒO
Cessão do serviço (falência ou fechamento da empresa”¦) Quais as Implicações/efeitos da indisponibilidade do serviço?
Qual a probabilidade do serviço ficar indisponível?
Uso em aplicações não-críticas
Disponibilidade de alternativas
Uso de serviços confiáveis
Perda de dados Qual a probabilidade de perda de dados?
Existe forma de exportar os dados ou de fazer backup?
Uso em aplicações não-críticas
Avaliação do serviço, antes de utilizar
Teste dos mecanismo de exportação/backup
Problemas de performance
Falta de confiabilidade do serviço
Quais os impactos sobre os desempenhos e resultado? Uso em aplicações não-críticas
Teste e avaliação do serviço
Ausência de interoperabilidade Qual a probabilidade de ficar “preso” à  aplicação?
Quais as possibilidade de integrar e reutilizar dados?
Avaliação da integração e dos mecanismos de exportação
Mudanças de formato Qual a estabilidade de novos formatos? Planejamento de migração
Uso em pequena escala
Problemas com usuários Percepção do usuário final Obtenção de feedback

Fonte: UKONL, 2007.

Ao analisar o quadro acima, podemos perceber um elemento que se repete: uso em missões não-críticas.

Esta tática de gestão do risco corrobora nossa discussão sobre o arrendamento virtual. Ou seja, não plante em terra alheia. Ou pelo menos, não sua lavoura principal.

Além disso, podemos inferir algumas boas práticas para a conviver com os riscos e evitar surpresas:

Manter cópia local

Em conjunto com uma política de backup, a cópia local preserva o acesso a seu conteúdo. Esta é a premissa que diferenciou o  Dropbox: mais que um serviço de armazenamento online, é um serviço de sincronização. O que isto significa? Simples, seus arquivos ficam armazenados na “nuvem” e em seu computador, ao mesmo tempo. Qualquer modificação realizada sobre um arquivo é refletida imediatamente na nuvem e vice-versa. Não havendo mais acesso a o serviço (o caso mais simples, você estar offline), seus dados estarão ali, intactos e disponíveis para que você trabalhe online.

A mesma tática serve para o correio eletrônico. O chamado protocolo IMAP faz algo similar, sincronizando as mensagens que ficam armazenadas no servidor online e num aplicativo de leitura de email, como o Outlook ou o Mozilla Thunderbird.

Priorizar formatos abertos e a interoperabilidade baseada em padrões

Como exemplo contrário desta prática, a empresa mais valiosa do mundo nos dias de hoje é conhecida por seus formatos proprietários, que não se “comunicam” com mais nada. Ao mesmo tempo, o mundo tem observado como a plataforma Android, de código aberto, avança e ganha mercado. Basta pensar nas portas USB, padronizadas, que qualquer computador, de qualquer marca, reconhece.

Outro exemplo negativo é o Prezi; em troco de animações dinâmicas e design arrojado, o usuário abre mão de poder abrir e editar sua propriedade intelectual em qualquer outra plataforma.

Optar pelos serviços premium

Como diz o ditado, o barato pode sair caro. E se tratando da Web 2.0, que incorporou em grande medida a “economia da cauda-longa”, os custos dos serviços Web 2.0 geralmente são justos, adequados à  demanda de cada usuário.

Contudo, um ponto essencial de um serviço premium é a utilização de um termo de serviço diferenciado, na qual a empresa prestadora se vê obrigada a assumir padrões elevados de qualidade. Além disso, o contrato deve estabelecer os termos e condições precisos para a prestação, umas segurança para o comprador. caso de uma ação judicial.

Ser o dono da própria terra

Para finalizar, e ainda mantendo a metáfora do arrendamento virtual, é possível estar presente na Web 2.0, mas sem se expor a tantos riscos.

Como? Produzindo em seu próprio terreno, isto é, em seu próprio espaço virtual.

Mais do que uma boa prática, é essencial que uma aplicação de uso crítico esteja em um servidor que você controle totalmente.

O exemplo mais notável é a plataforma de publicação WordPress, que além de seu serviço onlinedisponibiliza seu software em licença de código-aberto. O termo técnico para designar esta opção é self-host ou auto-alojamento, em bom português.

A partir desta base própria, você poderá expandir então suas atividades no Facebook, Twitter e outras dimensões da Web 2.0, mas sempre tendo como base seu site próprio, sua querida terrinha.

Mas como ficam os custos? Na atualidade, o custo de alojamento de um site, mais o registro do domínio (seu próprio endereço na Internet) partem de R$ 20,00 por mês, aproximadamente. Caso você não domine a tecnologia, também precisará da assistência de programadores para a construção e desenvolvimento de seu espaço virtual.  Soluções de código livre e aberto, logicamente, barateiam e agilizam esta etapa. E finalmente, também é preciso levar em conta um custo recorrente de manutenção técnica de sua página, mesmo que você se encarregue da atualização de conteúdos.

E vale a pena? A resposta para esta pergunta é fortemente subjetivo e depende em grande medida do valor que você atribui a seu projeto de visibilidade acadêmica.

Mas cabe lembrar uma vez mais, você estará plantando em sua própria terra, com toda a segurança que isso lhe traz.

Referências

SIMONE, Sonia. Digital sharecropping: the most dangerous threat to your online marketing. Copyblogger, s.d. Disponível em: <http://www.copyblogger.com/digital-sharecropping/>.

UKOLN. Risk assessment for Use of third party Web 2.0 services. 2007. Disponível em:<http://www.ukoln.ac.uk/qa-focus/documents/briefings/briefing-98/>.

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